Social-darwinismo e "autos de resistência" no Brasil

<<Tem uma coisa que é típica de democracias de baixa densidade, sem consolidação, comum em países muito desiguais e com forte herança autoritária, que é o caso do Brasil. Existe uma modulação da percepção de ilegalidade. Não é a violação em si que causa espanto à sociedade, é a qualidade da vítima. É mais ou menos assim: conforme a hierarquia social da vítima me causa mais ou menos espanto a violação do direito dela. Ou melhor, identifico como violação de direito na medida em que a pessoa tem uma posição social mais alta. Se ela tem uma posição social mais baixa, não identifico como uma violação de direito. (...) É como se vários tipos de óculos fossem utilizados para enxergar e detectar se aquilo é uma violação de direitos ou não. Tome como exemplo crimes sexuais. Neles basta a palavra da vitima para condenar o acusado. Isso é muito comum. Costuma se dizer que este tipo de crime acontece na calada, por isso fica difícil ter testemunha. Logo basta a palavra da vítima, mesmo que seja criança, para ser aceita pelas autoridades. Agora veja como é em um caso de tortura de um suspeito, ou de alguém que não tenha a ficha limpa: pode existir um laudo dizendo que ele sofreu lesão, e a palavra dele afirmando que sofreu lesão. Aí o argumento do juiz é: ‘a palavra da vítima restou isolada nos autos’. São dois casos em que a palavra da vítima é encarada de forma diversa. Em um dos casos a palavra serve para condenar, e no outro ela não tem força suficiente nem para dar início a um processo criminal por tortura. Porque não só a vítima é uma pessoa considerada exterminável, alguém cuja palavra vale menos, como os acusados são agentes estatais. (...) O MP vê nessas pessoas a grande criminalidade, e tem a necessidade de isolá-las do convívio social. Quando na verdade, na maior parte, essas pessoas fazem integram uma criminalidade banal, seja tráfico de pouca quantidade de drogas, sejam crimes sem violência. O MP em São Paulo tem como clientela indesejada - mas que ele detesta e vê como isolável - essa parcela da população, capturada pela polícia e pobre. E no final ele acaba agindo como o braço jurídico da PM. E o público que lota as prisões é em geral esse mesmo público que é morto pela polícia. E aí, me parece que o MP não consegue ter a isenção valorativa necessária para defender essas pessoas contra quem ele próprio estabelece uma cruzada.>>. 

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/03/politica/1454499372_782305.ht...

Class: 

Introdução aos Direitos Humanos